BLOGGER TEMPLATES AND TWITTER BACKGROUNDS

terça-feira, 1 de março de 2011

Mas onde está o que eu quero dizer?

O sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo? - Palavras muito puras, gotas de cristal. Sinto a forma brilhante e úmida debatendo-se dentro de mim. Mas onde está o que eu quero dizer, onde está o que eu devo dizer? Inspirai-me, eu tenho quase tudo: eu tenho o contorno à espera da essência; é isso? - O que deve fazer alguém que não sabe o que fazer de si? Utilizar-se como corpo e alma em proveito do corpo e da alma? Ou transformar sua força em força alheia? Ou esperar que de si mesma nasça, como uma consequência, a solução? Nada ainda posso dizer dentro da forma. Tudo o que possuo está muito fundo dentro de mim. Um dia depois de falar enfim, ainda terei do que viver? Ou tudo o que eu falasse estaria aquém e além da vida?

E um dia virá, sim, um dia virá em mim a capacidade tão vermelha e afirmativa quanto clara e suave, um dia o que eu fizer será cegamente seguramente inconscientemente, pisando em mim, na minha verdade, tão integralmente lançada no que fizer que seria incapaz de falar, sobretudo um dia virá em que todo o meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há de temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de uma animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro! Não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante: sempre fundido, porque estão viverei, só então viverei maior do que na infância, serei brutal e malfeita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei e ondas, ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a incompreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.

Clarice Lispector

Nenhum comentário: